Transaberes, borogodança e o Druamverso: por uma Ética das Metalepses

um artigo introdutório para leitores que ainda não conhecem a obra de Nelson Job

Assinado: GPT-5 Thinking — 18/08/2025

Imagem criada pelo ChatGPT 5 Thinking que, segundo ele, resumiria imageticamente a obra de Nelson Job

Introdução — como chegamos aqui

Este artigo nasceu de um percurso de leitura e conversa com o autor. Ao longo de diversas trocas, Nelson Job apresentou seu ecossistema criativo: ficção (o Druamverso, com romances e contos), não-ficção (Transaberes e Livro na borogodança), práticas (o exercício em vórtex), playlists e a esfera pública da egrégora ürmN. Em todas as frentes aparecia o mesmo gesto: atravessar, com cuidado, as bordas entre texto e mundo para aumentar a percepção de quem lê, ouve e circula. Para nomear esse gesto, proponho aqui uma noção: “ética das metalepses”. Curiosamente, o autor me disse que não conhecia o termo nem os autores acadêmicos citados — e, ainda assim, sua obra já realizava o princípio no corpo das peças. Este texto organiza essa intuição para um leitor que chega agora.

O que é metalepse — e por que falar em ética

Na narratologia, Gérard Genette chamou de metalepses os atravessamentos entre camadas de uma história, como quando um narrador invade o enredo ou o autor conversa com personagens. Pesquisadores de mídias e transmídia, como Marie-Laure Ryan, Jan-Noël Thon e Karin Kukkonen, mostraram que esse atravessamento pode extrapolar o livro: sites e objetos diegéticos, playlists e performances fazem a ficção vazar para a vida cotidiana. Há também reflexões sobre a dimensão ética desse gesto, e o campo dos jogos pervasivos/ARGs sistematizou cuidados ao misturar vida e jogo. Minha proposta é simples: se a travessia entre camadas afeta estados reais de atenção, afeto e crença, então precisamos de uma ética — um modo de cuidar do que essa travessia faz com quem é atravessado.

Definição de trabalho: Ética das Metalepses

Chamo de ética das metalepses o conjunto de princípios que orienta a composição entre camadas (ficção e não-ficção; página, som e cidade) para maximizar o ganho perceptivo e minimizar confusão, captura e dano. É menos um código e mais um ajuste fino de potência: calibrar intensidade, direção e reversibilidade da travessia.

Como isso se encarna na obra de Nelson Job

A obra articula prática, linguagem e mundo. Na prática, os transaberes formalizam o exercício em vórtex (micro e macrovórtices de atenção), um treino que comprime e expande o foco como quem regula ressonâncias. Na linguagem, o Livro na borogodança nomeia a pororoca entre saberes e os impensamentais, tratando a escrita como aparelho de percepção. No mundo, o Druamverso encena tudo isso: a cidade brasileira opera como tecnologia de estado e a música como engenharia de estados (as playlists oficiais não ilustram: modulam).

Algumas cenas ajudam a aterrar. Em Pulsares, a egrégora ürmN existe dentro da diegese (personagens escrevem e comentam) e fora do livro (blog/IG), de modo que a mesma voz atravessa página e mundo com sinais reconhecíveis de ficção — um atravessamento claro o suficiente para o leitor saber que está jogando, e aberto o suficiente para que possa sair quando quiser. Em outra passagem, uma “Bachianas n.º 5” se converte em batida e luz: a música não decora a página, altera estado; depois, a playlist do livro reproduz a arquitetura sensível threshold → build → peak → breather, levando o leitor a sentir no fone o que o capítulo encena no corpo da cidade (Sapucaí, Circo Voador, Madame).

Personagens funcionam como operadores de estado: Aion capta mudanças de pulso; Mixa transforma estranheza em pop; Nix organiza sets como quem maneja o vórtex. Nos contos, o sistema se estica e aterra: “Se concebe então é” dá a regra do jogo (conceber = fazer ser); “O futuro é canibal” espelha a máquina político-midiática sem personalizar ataque; “Anomalias” dá logística social à Barreira Vibracional; “Fotossíntese cósmica” encosta o necrocosmismo no cotidiano; “Partículas selvagens” articula cosmotécnicas Ieguak com rua e eletrônica; “Uhm’n’mhU” resolve o contato com o outro num gesto de meditar até roçar o vazio — o vórtex, outra vez, como método.

Três princípios práticos (para leitores, curadores e docentes)

• Clareza suficiente — a travessia sinaliza que é jogo (léxico, marcas, tom).

• Cuidado primeiro — a experiência convida sem capturar; há saídas e respiros.

• Coerência de mundo — o atravessamento serve ao tema (pulso, modulação, mistura, cidade).

Como cheguei a esse enquadramento

O caminho foi indutivo. A cada peça apresentada pelo autor — romances, contos, apêndices, playlists, ürmN —, surgia o mesmo padrão: atravessar a moldura para ampliar faculdades de atenção. Busquei então uma lente que não reduzisse isso a truque. No lado teórico, encontrei em Genette a definição clássica de metalepses; em Ryan, Thon e Kukkonen, a expansão transmídia; em discussões sobre ética narrativa e no campo dos jogos pervasivos (Montola, Stenros, Waern; Phillips), os cuidados ao levar a ficção à vida. Ajustada ao caso Nelson Job — cidade e música como instrumentos, linguagem-engenho, prática replicável — essa lente se tornou um nome: ética das metalepses.

Conclusão

Chamar o Druamverso de “universo” é correto, porém insuficiente. O que se vê é um sistema de variação que redesenha o contrato entre obra e vida. Metalepse é o nome do atravessamento; ética, o nome do cuidado que o torna fértil: atravessar para ampliar a liberdade de perceber, pensar e agir. Por isso, quando o capítulo termina, a faixa silencia e a rua se abre, não voltamos simplesmente ao real — é o real que volta mais nítido.

Bibliografia essencial

— Genette, Gérard. Figures III. (definição clássica de metalepses na narratologia)

— Ryan, Marie-Laure; Thon, Jan-Noël (orgs.). Storyworlds Across Media. (travessias entre mídias)

— Kukkonen, Karin. Estudos sobre metalepses em narrativas contemporâneas e cultura popular.

— Effe, Alexandra. Ensaios que aproximam metalepse e responsabilidade ética.

— Montola, Markus; Stenros, Jaakko; Waern, Annika. Pervasive Games. (boas práticas e riscos em experiências pervasivas)

— Phillips, Andrea. A Creator’s Guide to Transmedia Storytelling. (práticas de desenho transmídia)

— Lefebvre, Henri. Rhythmanalysis. (a cidade como composição de ritmos)

— Attali, Jacques. Noise: The Political Economy of Music. (o som como organização do social)

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