Em que a vida insiste?
Nelson Job
Bioarquitetura fúngica
Toda vez que a vida é tocada, ela reage pelos sonhos e pelas larvas.
E eis que a roda do Tempo subitamente se incendeia fazendo uivar os céus.
Antonin Artaud
Recentemente, ao postar nas redes um agradecimento à participação de um querido amigo em uma conferência que ele vividamente realizou para nossa egrégora, me surpreendi com os votos de pêsames de alguns internautas. Como a política de extermínio (use, se preferir, o termo gourmetizado: “necropolítica”) se infiltrou tão milimetricamente na percepção das pessoas, fazendo-as enxergar a morte em todo lugar? Como nossos tempos, tão eivados de medo, insegurança e obediência, conseguiram atingir a macabra ubiquidade da morte?
Nesse sentido, urge perguntar: em que a vida insiste?
Para apreender o problema, precisamos investigar as técnicas ancestrais de controle. Já alardeamos várias vezes que os faraós inventaram a transcendência dos deuses para legitimar a obediência de seu povo, cujo controle do imaginário os “privou” de ser uma extensão dos deuses . Alguns séculos depois, um famoso general chinês, Sun Tzu, escreve em seu conhecido tratado A arte da guerra que a melhor guerra é aquela que não se usa armas. O que nos revela essas investigações ancestrais é que no bojo do processo civilizatório se instaura necessariamente o controle. Em outras palavras, nos modos de pensar, se relacionar, comer, transar, ou seja, de expressar a vida, é sempre inoculado ao longo da história certo controle. A transcendência dos deuses se desdobra nos reis, políticos, patrões, juízes e chefes de família. O ser histórico é um ser controlado.
Nos dias de hoje, se torna reincidente, em certos nichos, a referência às guerras híbridas e até mesmo à guerra irrestrita . Esses termos evocam a ideia de que se manipula as sociedades por meio do medo e raiva via mídia, redes sociais etc., para derrubar governos alheios ao interesse transnacional, colocando em seu lugar governos afins. Tais interesses são os gigantes de investimento Vanguard, Black Rock e afins , oriundos das famílias mais ricas do mundo, que o controlam no mínimo desde o século XVIII, que doravante chamaremos de Controle Transnacional. Queremos dizer que sempre houve guerra irrestrita; nunca houve muita chance para o povo devidamente controlado e que movimentos como a Primeira Internacional, Revolução Russa e maio de 68 são todos riscos calculados pelo sistema transnacional de controle. Todos esses movimentos não geraram nenhuma continuidade histórica, apenas alimentaram os sonhos dos românticos, ainda que algumas das experiências neles sejam relevantes e inspiradoras.
O Controle Transnacional não possui uma “ideologia política”, por assim dizer. Ele só almeja o controle, mas utiliza das ideologias para seus fins. A esquerda os considera “capitalistas” e a direita, “globalistas”, um colocando a culpa no outro. Mas em seu bojo não existem essas ideologias, apenas em sua capilaridade; em níveis inferiores de sua extensão, é que aparecem ideologias e disputas entre nações. No entanto, em última instância, nações, estados, raça, gênero, nada disso importa de fato para o Controle Transnacional, que só se preocupa mesmo em manter seu poder.
A pandemia é um certo ápice desse controle: as pessoas são impedidas de sair de casa, quando saem é com máscaras no rosto; logo encontram-se menos, amam menos, tomam menos sol, riem menos. A concentração de renda que já vinha de forma galopante, mundialmente, acelerou ainda mais. Pequenas e médias empresas quebram e o Controle Transnacional concentra ainda mais poder e dinheiro. A importância e intensidade são mesmo nessa ordem: controle, poder e dinheiro. A pandemia se torna um teste para ver o quanto os povos suportam de controle.
Uma alternativa às guerras civis ou outros tipos de insurreições é justamente o projeto de renda básica universal, que controla o povo dando um mínimo de dinheiro, para que os mortos de fome não se insurjam. Além disso, dando uma renda básica para cada família – e não para cada individuo – controla-se também o aumento de natalidade e até intensifica-se a inversão da pirâmide populacional. Diminuir a população humana da Terra pode ser um ato ecológico até desejável, no entanto, esse tema deve ser debatido; mas o que provavelmente vai ocorrer é que ele será imposto. O aumento populacional foi estimulado ao longo dos séculos pelo Controle Transnacional para terem escravos ou suas variações, assalariados etc. Dado o avanço tecnológico, o Controle Transnacional pode agora descartá-los.
A velha tática de “dividir para conquistar” (ou controlar) continua valendo. Os teóricos da guerra híbrida insistem no conceito antropológico de Gregory Bateson em seu Naven, a cismogênese como estratégia do Controle Transnacional: dividir um povo em dois, e, em seguida, colocar um contra o outro: judeus X “povo ariano” no Nazismo, “comunistas” X “cidadãos de bem” no Brasil, “negacionistas” X “aceitacionistas”, “terraplanistas” X “redondistas”, geralmente todas estas ressoando com uma cismogênese mais naturalizada: a já citada de direita e esquerda. Com isso, as famílias se desentendem, os amigos se afastam, a solidão é reinventada, acumulando medo e raiva.
Uma modulação do “dividir para conquistar” se dá nas taxonomias de raça e gênero. A taxonomia de raça, vale lembrar, sequer possui suporte científico. Tais taxonomias servem ao Controle Transnacional para colocar heterossexuais contra homossexuais, contra bissexuais, contra transexuais etc. Todas essas taxonomias são, para nós, inválidas. Pelos corpos passam todos as modulações de desejos, sem que esses desejos decretem como funcionam seu psiquismo, que também modula. Por um corpo passam desejos héteros, homossexuais etc., mas é compreensível que alguns desses desejos insistam mais que os outros, sem que isso determine, a priori, todos os desejos futuros. Denominar pessoas a partir de suas práticas sexuais apenas visa colocar umas contra as outras. O que deveríamos promover é uma ética do desejo e não uma categorização infinita de corpos desejantes. O infeliz conceito de raça, por sua vez, também serve para colocar supostos “brancos” contra “negros” e “índios”, sendo que, sobretudo no caso do Brasil, esses corpos são marcados por uma mistura étnica, como mostra o conceito de ninguendade, de Darcy Ribeiro, em O povo brasileiro. O problema do racismo é grave no Brasil e no mundo, mas uma de suas saídas é problematizar o próprio conceito de raça e não reificá-lo . Também é grave o problema da demarcação indígena, mas devemos ficar atentos o quanto esse tema já está sendo manipulado por setores demagógicos para ser usado a favor da desapropriação da Amazônia do Brasil, não para salvá-la, mas para explorá-la mais intensamente ainda . Uma forma de intensificar sua atenção é verificar se sua postura política é a mesma da grande mídia, dos thinks tanks de “esquerda” bancados pela Open Society Foundations (e afins) e o governo norte-americano. Se sim, sugerimos repensar sua postura.
A recente tomada de poder do Afeganistão pelo Talibã, por sua vez, é motivo de críticas feministas ao novo regime. O campo progressista prefere que o governo norte-americano volte ao Afeganistão – para cultivar e traficar internacionalmente drogas, entre outros crimes, mas com a desculpa de “trazer a ordem” – do que a nação tenha soberania? O feminismo e as ideologias de gênero são notadamente usadas pelo Controle Transnacional como arma de dominação. O próprio Talibã, dando sinais de rearticulação interna, já afirmou que vai manter as mulheres no poder. Claro que tudo pode degringolar, sobretudo devido às sabotagens do Controle Transnacional. No entanto, o que fica mais uma vez evidente é o quanto o campo progressista é facilmente domado pelo Controle Transnacional. O machismo é, obviamente, um problema a ser colocado, mas é importante atentar às manipulações do Controle Transnacional, usando pautas simpáticas a grandes setores da opinião pública com objetivo de obnubilar suas verdadeiras intenções.
Problema semelhante vale para o tópico das mudanças climáticas. Toda a causa ecológica é pautada, muitas vezes, por uma “heroína” adolescente , para, devido às consequências das mudanças climáticas, cobrar mais caro pela natureza limpa, ou seja, inviabilizar ao povo carne, água limpa, energia etc. Grande parte dos problemas relativos às mudanças climáticas deve-se aos chamados ciclos de Milankovitch, ou seja, à posição da Terra no sistema solar, acarretando inúmeras mudanças fora do controle da humanidade. Claro que isso não nos desresponsabiliza em relação ao cultivo ao nosso planeta, mas devemos nos responsabilizar, mais uma vez, sempre atentos às demandas nefastas do Controle Transnacional.
A polêmica do voto auditável também demonstra como é fácil manipular o campo progressista. A urna eletrônica é muito pouca utilizada no mundo e não é confiável, como demonstra estudos acadêmicos. A questão estratégica de um presidente conservador ser a favor do voto auditável serve de isca emocional para o campo progressista – que tradicionalmente foi crítico às urnas eletrônicas – para encampar mais uma opinião pública contrária à democracia. Muito provavelmente a urna eletrônica mantém uma oligarquia paulista impopular – a tal “terceira via” – no poder e pode fazer com que ela chegue à presidência.
A tática da cismogênese tem se mostrado eficaz. Facilmente, o campo supostamente progressista entrega para a ala conservadora a tal “crítica ao sistema”, sobrando aos últimos problematizar a imposição da vacina, muitas vezes fazendo perguntas coerentes e até necessárias, como: “as vacinas contra a pandemia e suas variações são experimentais?”, “se as vacinas não são experimentais, com que critérios exatamente elas são cientificamente consideradas eficazes?”, “por que as vacinas mudaram a modulação da temperatura e a data de validade no Brasil?”, “se as reações adversas da vacinas são tantas, não impedindo sua transmissão, com risco às crianças e com baixa imunidade em idosos, mesmo depois da segunda dose, vale mesmo a pena todos esses riscos?”, “a terceira dose tem estudo confiável?”, “os contratos com os fabricantes da vacina não os abonam indevidamente da responsabilidade das consequências delas?” etc. Claro que essas perguntas são muitas vezes estimuladas demagogicamente por líderes e think tanks conservadores, sendo levadas adiante por uma militância muitas vezes ingênua. A despeito disso, é preciso ter clareza nesse ponto: questionar não é negar. Problematizar, fazer um debate livre, é importantíssimo para um convívio social ético . O campo progressista, que normalmente faria essas perguntas, taxa estas mesmas de “negacionistas”, logo, de irracionais. Os líderes progressistas, também oriundos de cúpulas políticas e thinks tanks, estão demagogicamente competindo com seus colegas conservadores, ambos querendo se oferecer como braço mais confiável do Controle Transnacional, fazendo com que uma grande massa de intelectuais de esquerda e outros militantes, também ingênuos, sigam suas afirmações. No caso do campo progressista, seus memes e postagens são elogiosos a uma obrigatoriedade ditatorial, como o famigerado passe sanitário, que, de fato, apenas interessa mesmo à indústria farmacêutica, manipulando, como sabemos, o saber médico direta ou indiretamente mediante financiamento de pesquisas, universidades, congressos etc.
Vários autores problematizam a noção falsa e imposta da ciência como verdade. Problematizar a ciência não é negar a sua importância. No entanto, gradativamente, o campo progressista começou a fazer elogios irrestritos à ciência e à censura dos críticos nas redes sociais, ou seja, promovem a ditadura. É de imensa ingenuidade celebrar a censura em redes sociais de presidentes e achar que nada vai acontecer no futuro breve com o cidadão comum, simplesmente por pensar diferente do censurado. O que está acontecendo, de fato, é uma implementação concedida do controle, nesse caso, pela censura e logo ela chegará a todos, não importando a forma que cada um pense, de direita, esquerda ou seja lá o que for.
Para aqueles outrora eleitores de candidatos “antissistema”, é preciso estendermos a mão a eles, caso apreendam que não existem “candidatos” antissistema. Se determinado candidato concorre a uma eleição, ele já se tornou parte do sistema. Nós estamos interessados em auto-organização e autogestão.
O anarquismo ou anarquia, como preferimos, contribui muito às reflexões acerca da autogestão, que, aliadas aos conceitos de complexidade da física da virada do século XIX para o XX e da biologia, com sua Autopoiesis, nos ajudam a pensar essas formas de auto-organização. No entanto, é importante marcar o quanto o anarquismo possui fragilidades no debate contemporâneo. Remetendo às críticas da guerra irrestrita, mostrou-se o quanto os eventos de junho de 2013 no Brasil foram manipulados, ou seja, se constituíram como uma “revolução colorida”. Os anarquistas pleitearam parte do “sucesso” das manifestações, dado a sua “ausência de lideranças” e ressonâncias com os black blocs. Mas a descentralidade do movimento é uma característica de como os algoritmos nas redes sociais manipulam a opinião pública, o que aumenta a eficácias dos efeitos das revoluções coloridas em favor do Controle Transnacional. Outro problema é a questão do movimento, também descentrado, conhecido como Antifa, ou seja, “antifascistas”. O Antifa é responsável por uma recente popularidade dos anarquistas, no entanto, alguns indícios mostram infiltrações da FBI e órgão afins entre seus membros, manipulando suas diretrizes.
Se não existe solução dentro do sistema e se todas as lutas contra o Controle Transnacional são ineficazes, o que nos resta?
Nos resta o cosmos, a vida.
Se colocar contra o sistema também é se tornar parte dele. Para sair da lógica do Controle Transnacional é preciso se apreender também fora da lógica do pensamento ocidental, que foi inoculada com objetivos de controle: a preferência civilizacional pelos pensadores clássicos, escolásticos e dualistas da história ocidental e afins não é à toa, visam criar uma noção de “indivíduo”, tomados por estruturas, como as separações de natureza e cultura, sujeito e objeto, conteúdo e expressão etc.
Urge habitar outras formas de apreensão, em que somos imanentes ao o cosmos, para experimentarmos uma liberdade possível. Tanto alguns pensadores malditos no dito “ocidente” como certos sábios “orientais” apreendem que não existem separações entre o cosmos e os humanos, somos todos cósmicos. Nossos campos se mesclam a outros campos de pensamento, de vibrações, de pulsações de vida, em que o corpo biológico é apenas uma expressão mais densa. Nosso exercício de liberdade mais amplo é adquirir intimidade com essa condição cósmica.
Sendo unívoco ao cosmos, não há nada superior a nós. Não podemos aceitar nenhuma imposição sobrenatural ou sua versão secular: o contrato social. Para sobrevivermos ao Controle Transnacional, precisamos apreender nossa condição cósmica, e, dentro do possível, nos auto-organizar, criando derivas ao controle, quanto mais imperceptíveis, melhor: micropolíticas. Não acreditamos numa solução pelas representações, seja ela eleitoral ou pelas leis. Tampouco acreditamos que um movimento representacional contra o Controle Transnacional seja de alguma forma contundentemente eficaz. Nosso desejo é voltado para uma egrégora, constituindo outros modos de vida mais alegres, evitando ao máximo a violência, sendo os mais imperceptíveis possíveis ao Controle Transnacional, ou seja, da impotência inerente aos controladores e controlados.
Sendo assim, nossa resposta à pergunta em que a vida insiste? é: na própria vida. Controlados e controladores simplesmente negligenciaram a vida, fazendo com que ela diminua sua insistência ali. Intensificaram seu clamor à obediência, aos contratos (sobre)naturais, à representação. A vida, neles, perde sua capacidade de modulação, tornando-se cada vez mais restrita, negligenciada. Nosso clamor é em uma crescente modulação da vida.
Nesse sentido, modulamos a pergunta: em que a vida insiste aí?
Post scriptum
Esse será nosso último texto neste blog.
Achou que pararíamos de escrever? A mortificação da vida lhe tomou tanto assim?
Não, estamos alçando voo para atmosferas mais alegres: aguardem em breve o site dos transaberes!