Íntima co(s)micidade
Algum dia ele faria seu chamado,
quando as estrelas estiverem prontas,
e o culto secreto estaria sempre esperando para libertá-lo.
H. P. Lovecraft
Nós, à luz dos transaberes (Job, 2020), estamos há alguns anos nos empenhando em confluir com consistência a filosofia da diferença de Gilles Deleuze, a física moderna, a mística (sobretudo o hermetismo e o Advaita Vedanta), a arte e a política libertária.
Os transaberes, em uma leitura da filosofia da diferença, sobretudo no que tange à imanência de Spinoza (2008), propõe um estatuto cósmico de todos nós. Imanência é um conceito filosófico em que inexistem dualismos: tudo está inscrito em um mundo sensível, impermanente, da ordem do aqui e agora. Se eu sou um com tudo o que existe – ainda que esse “tudo que existe” esteja em movimento e prescinda de uma totalidade fechada –, então eu sou cósmico, no sentido que eu me estendo a todo o cosmos.
Os transaberes também clamam por um animismo, sobretudo aquele que conceituado pelo antropólogo inglês Tim Ingold (2015); diferente da ideia de que “todas as coisas são vivas”, a ideia de que as coisas se inscrevem na vida. A separação química entre orgânico e inorgânico é uma mera convenção: trata-se, de certa forma, de “brincadeiras” diferentes entre cadeias de carbono.
É nesse ínterim que os transaberes devem dar um passo além e trazer mais um saber para suas confluências. É nesse momento que devemos abordar, com consistência, a ufologia.
A primeira afirmação é: se absolutamente tudo se inscreve na vida, então a Terra é viva, como propõe a Teoria Gaia de James Lovelock (1991). Mas podemos ir – literalmente – muito além: todo o cosmos pulsa na vida. Nesse sentido, tudo que é “de fora da Terra” é, por definição, vida extraterrestre.
O próximo passo inevitável é se perguntar: “OK, mas essa vida extraterrestre é inteligente?”. Apreendamos melhor o que estamos conceituando como “vida”. Se é vivo, então necessariamente tem Consciência. “Consciência”, para nós, dialogando com o Advaita Vedanta (Nisargadatta, 2014), é sinônimo de vida enquanto substrato do cosmos. Nesse sentido, tudo é consciente, em graus variados de complexidade. A pedra é consciente, mas eu possuo um grau mais complexo de consciência do que a pedra. O planeta, em seu processo vital de auto-organização, é mais consciente que eu, e assim segue. Nesse sentido, o cosmos é consciente e a vida extraterrestre é, também, consciente. Mas, assim como temos dificuldade em nos “comunicar” com os rios e as pedras – ainda que alguns tenham maior facilidade em se comunicar com animais e até com plantas, sem com isso se instalarem num âmbito psiquiátrico –, temos dificuldade em nos comunicar com a vida extraterrestre.
Passemos aos relatos de contato com entidades extraterrestres. Existem vários deles, com níveis diferentes de credulidade. Vídeos no YouTube podem ser facilmente deturpados, assim como pessoas com sofrimento psíquico podem se confundir e interpretar de forma equivocada os fatos. Os inúmeros médiuns que “conversam” com ETs nos deixam à mercê, muitas vezes, dos níveis de nossa credulidade. Todos os relatos sobre ETs que conheço, desde os mais simples (Marciniak, 2008), ao mais complexos (Urântia, 2013), passando pelos que dialogam mais com a ciência (Hurtak, 2012), necessitam, de algum modo, da nossa boa vontade. Respectivamente, o primeiro caso parece paródia de Star Trek, falando sobre uma confederação galáctica que usa a Terra como experimento; o segundo aplica à Bíblia um contexto de ficção científica; o último mostra como certas entidades ensinaram com mais precisão como o universo funciona. Além disso, há os relatos espiritualistas que mostram a Terra como “planeta de expiação” (Armond, 2011). Segundo o médium Chico Xavier, em uma declaração no programa Pinga Fogo da TV Tupi em 1971, caso a humanidade prescindisse de uma guerra nuclear, a Terra começaria a ser, a partir de 20 de julho de 2019, um “planeta de evolução”, cuja “moratória intergaláctica” ficou conhecida como Data Limite[ii].
Mas o que temos de mais “científico”? De um lado, sempre sob muita celeuma no meio acadêmico, interpretações de textos sumérios feitas por Zecharia Sitchin (2013), quem realimentou o campo criado por Erich von Däniken, autor de Eram os Deuses Astronautas?. De outro lado, temos a pesquisa dos ufólogos científicos, como o brasileiro Marco Antonio Petit (2014). Em seu Contato Final, por exemplo, Petit compila evidências como descobrimentos de artefatos impossíveis de terem sido construídos por humanos, seja por virem de uma era geológica anterior ao surgimento dos humanos, seja pela análise da sofisticação da tecnologia em relação à época. Talvez um dos mais contundentes relatos seja o do ex-ministro da Defesa do Canadá, Paul Hellyer, feita durante em uma audiência pública em Washington (History, 2020), em que afirmou haver muito mais ETs na Terra desde após o uso da bomba nuclear, o que corrobora o relato de Chico Xavier.
Muitas referências remetem a uma espécie de “batalha cósmica”, com a Terra no centro. Podemos fazer um resumo: teriam sido postos aqui vários tipos de seres, brancos, negros, vermelhos etc. (entre os humanoides), plantas diversas, todos as espécies de animais e seres unicelulares. A Terra seria uma espécie de “zoológico cósmico”. Parte da comunidade intergaláctica acha que o “experimento” Terra deu errado; outra ainda quer insistir, visto que evitamos a guerra nuclear. Essa diferença de opinião gera uma disputa, em que se colocam como vilões os muitas vezes identificados como “reptilianos” e os mocinhos como “arturianos”, “pleidianos” (Romo, 2011) e até “uranianos” (Santoro, 2011), que, segundo algumas narrativas, são comandados por um ET com traços nórdicos chamado “Ashtar Sheran” (Elias, 2013).
O presente autor, além de ter lido tais referências, já frequentou eventos ufológicos, desde palestras até congressos internacionais. É curioso como os relatos tendem a um discurso politicamente conservador – muitos militares têm apreço pelo tema, cujos relatos perpetuam uma hierarquia bélica – e, ao mesmo tempo, a uma proposta ecológica. Supostos contatos chegam a relatar que as entidades disseram “para evitar bebidas do tipo cola” ou seja, atravessaram o cosmos para dar dicas nutricionais. Algumas vezes, os “reptilianos” são encontrados na China, por trás da “terrível” tecnologia 5G.
Dito isso, o que, com a boa vontade dos transaberes, consideramos de toda essa discussão ufológica? Primeiro, citaremos um trecho de entrevista do mais interessante autor (segundo nossa apreciação) que se dedicou ao tema, o cientista da computação Jacques Valléeiii:
Penso que é uma oportunidade de se aprender alguma coisa muito fundamental sobre o universo, porque não existe apenas o fenômeno ou tecnologia capaz de manipular o espaço-tempo de formas que não entendemos, esta força está manipulando a ambientação psíquica da testemunha. Tentei introduzir esta ideia quando escrevi “Le College Invisible”. Nesta época, a comunidade ufológica não estava madura para isto. A New Age e a parapsicologia e suas comunidades interpretaram as minhas conclusões crendo que eu me referia aos DEVAS do mundo dos sonhos, que não são físicos, ou que o aspecto físico não era importante. Na verdade, penso que estamos lidando com algo que é, ao mesmo tempo, tecnológico e psíquico, e parece possuir a capacidade de manipular outras dimensões.
Vallée faz uma apuração histórica, colocando relatos de fadas, monstros, entidades religiosas, espíritos, demônios etc. no mesmo plano que os ETs, afirmando todos esses relatos terem o mesmo padrão: os humanos são incapazes de entrar no mundo dessas entidades, exceto em raras ocasiões. Vallée acredita que essas entidades de fato existem, mas que as pessoas que relatam os contatos o fazem baseados em seus sistema de crença. Apesar de os relatos variarem ao longo da história, eles mantêm certos padrões.
Podemos afirmar que existem entidades extraterrestres que se direcionam à Terra e interferem em nossa vida? À luz dos transaberes, respondemos: é provável. No entanto, consideramos grande parte dos relatos mentirosos, equivocados ou imprecisos.
Por que “provável”? Pelos motivos com que iniciamos este artigo: consideramos tudo o que existe no cosmos vivo e consciente. Inferimos, baseados em nós mesmos, que essas consciências extraterrestres tenham curiosidade por outras consciências coextensivas a elas, assim como nós temos a mesma curiosidade. No entanto, devido ao nosso estudo e apreensão das vibrações, consideramos improvável que tais entidades entrem em contato com nosso planeta através de, por exemplo, naves em 3D, e que venham aqui nos “dominar”. Tampouco compartilhamos dos imaginários de que, caso as inteligências artificiais adquiram consciência, quererão nos destruir, como se fossem impossibilitadas até mesmo de nos ignorar e se dedicar a outros assuntos; ou de que, caso os ETs cheguem até aqui, será para nos dominar e exaurir nosso recursos, como se fontes energéticas fossem um grande problema para eles. O medo recorrente do desconhecido gera esse imaginário, tornando filmes como “A Chegada” (The Arrival, 2016), de Denis Villeneuve, algo precioso, por mostras ETs que querem fornecer informações em troca de ajuda futura (Job, 2020).
Os transaberes apreendem tudo o que existe à luz de um viés vibracional. Baseados tanto na mística hermética quanto na filosofia da diferença, bem como na interpretação de onda da mecânica quântica do físico Milo Wolff, apreendemos que tudo o que existe é vibração. O mais denso são vibrações que tendem a se anular e tornar as ondas estacionárias – isso traz a impressão equivocada de “partícula” ou “matéria”, para a nossa cognição limitada – e o maior índice de vibrações compõem o mundo mais sutil, do pensamento, da memória etc. Consideramos a possibilidade de que entidades que dominem as vibrações mais sutis possam ter acesso à nós, e que muitas vezes elas sejam “traduzidas” pela nossa cognição como entidades espirituais e seres extraterrestres com características da ficção-científica. No entanto, para nós, quanto mais sutil, mais será da ordem do impensável e de difícil apreensão racional (Job, 2020). Os transaberes estão ligados a um exercício meditativo e energético chamado exercício em vórtex (Job, 2020), que pode facilmente ser feito por qualquer pessoa[iv], e cuja prática mostra como vibrações mais sutis podem ser acessadas gradativamente.
O engenheiro e médium Gel. Moacyr Uchôa (2015) é o ufólogo que mais se aproxima de nosso viés vibracional, fazendo relações consistentes com a física. No entanto, ao relatar seus contatos com as entidades, nos parece que Gel. Uchôa infere muito de seus sistemas de crença, o que é quase inevitável. Nos transaberes, é necessário extremo cuidado ao apreender e relatar as ressonâncias com vibrações sutis, pois tendemos a disciplinarizá-las: se foi durante o sono, tende a se chamar de sonho tais ressonâncias, se se manifesta por meio de alguns dos sentidos na vigília se chama de mediunidade, se está em um processo criativo se chama de ideia ou inspiração etc.
O que fazer diante de uma guerra intergaláctica? Segundo nossos preceitos: nada. Para quem está em um processo de vida ética, entrar em ressonância com mais guerra, em nível intergaláctico, parece improdutivo e mesmo cansativo. Se há inteligências com que nos podemos conectar, conectemo-nos com aquelas construtivas e instrutivas, que nos remetam ao amor incondicional, não a uma guerra infinita.
À luz dos transaberes, clamamos por um cosmos contínuo e unificado, cuja instância mais ínfima é o amor incondicional (por definição “não-objetal”), sendo que as supostas “materialidades”, impermeabilidades, que culminam na “objetificação” (separação entre sujeito e objeto), são consequências nefastas de uma grande jogo de tentativa e erro histórico, evolutivo e milenar. Nesse sentido, se inexiste separação entre sujeito e objeto, quaisquer inteligências extraterrestres são uma extensão de nós mesmos. Essa premissa muda a relação com o nosso estatuto cósmico e essa é a nossa mensagem mais importante acerca do tópico da ufologia: nosso estatuto já e cósmico, prescindindo de uma “validação” de uma inteligência extraterrestre.
A partir dessas reflexões, cabe a questão: é legítimo tentar observar ETs, passar noites em vigília, legitimar o relato de médiuns? Assim como é legítimo se dedicar a estudar pássaros, é legítimo procurar ETs. Apenas consideramos que, caso esses ETs ainda se transportem através de naves em 3D, devem ter pouco a acrescentar, comparadas às ambições de Elon Musk, que quer levar bilionários da Terra para colonizarem outros planetas. Também é importante verificar se há algum tipo de desejo psicológico de sentir-se especial ou de querer legitimação ao entrar em contato com alguma entidade. Ora, somos todos cósmicos, podemos prescindir de tal legitimação. Quanto aos médiuns: é preciso verificar a possibilidade de má fé. Feito isso, em relação aos restantes, é relevante observar o quanto esses relatos mediúnicos estão reificando sistemas de crença – e ideologias políticas – do médium, a despeito de terem entrado, de fato, com alguma inteligência extraterrestre.
Para uma reflexão final, gostaríamos de reafirmar a relevância de nos atermos ao nosso estatuto cósmico. Apreendemos que um dos grandes empreendimentos da vida é ganhar intimidade com o impensável, com o inominável, para além das palavras, para além de quaisquer representações. De fato, com a atual turbulência mundial – que envolve saúde, economia, e, claro, política –, estamos diante de uma grande ressonância de vibrações densas de medo. Dada a imanência do cosmos (ou seja, a continuidade de nosso planeta a tudo que existe), é possível que essas vibrações estabeleçam ressonância com instâncias além da Terra. Cabe a nós modular nossas vibrações para irmos além do medo, aumentando as vibrações, adquirindo proficiência em instâncias mais sutis. Muitas pessoas sensíveis estão tendo oportunidade de ampliar suas intuições e ganhar proficiência em suas modulações. Além disso, a turbulência promove uma revisão de hábitos, abrindo caminho a uma postura mais ecológica, e, por desdobramento, mais ética.
Lidar com o impensável pode fazer com que, inadvertidamente, entremos em contato com inteligências muito mais complexas que as nossas. Caso isso ocorra, remetemo-nos a Spinoza (2008) para dizer: trabalhemos para que seja o melhor dos bons encontros[v].
Bibliografia
HISTORY. Ex-ministro da defesa do Canadá afirma: há extraterrestres entre nós. 2020. Disponível em: https://br.historyplay.tv/noticias/ex-ministro-da-defesa-do-canada-afirma-ha-extraterrestres-entre-nos. Acesso em: 19 mai. 2020.
ARMOND, Edgard. Os Exilados de Capela. São Paulo: Editora Aliança, 2011.
ELIAS, Laura Maria. Ashtar Sheran existe mesmo?. Revista UFO, n. 202, CBPDV, 2013.
HURTAK, J. J. O Livro do Conhecimento: a Chave de Enoch. Rio de Janeiro: Academia Para Ciência Futura, 2012.
INGOLD, Tim. Estar Vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis: Vozes, 2015.
JOB, Nelson. Vórtex: modulações na Unidade Dinâmica. EUA: KDP Amazon, 2020.
LOVELOCK, James. As Eras de Gaia: a biografia de nossa Terra viva. Rio de Janeiro. Ed. Campus, 1991.
MARCINIAK, Barbara J. Mensageiros do Amanhecer. São Paulo: Ground, 2008.
NISARGADATTA MAHARAJ. Eu Sou Aquilo. Trancoso: Advaita, 2014.
PETIT, Marco Antonio. Contato Final. Limeira: Editora do Conhecimento, 2014.
ROMO, Rodrigo. A Origem: Federações Interestelares de Teta. São Paulo: Ed. do autor, 2012.
SANTORO, Fabio del. O livro dos uranianos. São Paulo: Editora Mundo Invisível, 2011.
SITCHIN, Zecharia. O 12o Planeta. São Paulo: Madras, 2013.
SPINOZA, Benedictus de. Ética. São Paulo: Autêntica, 2008.
URÂNTIA, Fundação. O Livro de Urântia. Chicago: Fundação Urântia, 2013.
UCHÔA, A. Moacyr, Mergulho no Hiperespaço: Dimensões esotéricas na pesquisa dos discos voadores. Limeira: Conhecimento Editorial, 2015.
VALLÉ, Jacques. Fenômeno UFO (OVNI). Mundo Cogumelo, s/d. Disponível em:
https://www.mundocogumelo.com.br/fenomeno-ufo-ovni-por-jacques-vallee/?fbclid=IwAR2ZpS9njEykkP5I7BrpcIh84hIFuYomQ7OgOZIzSdHeqDcsX-1eY65tquU. Acesso em: 19 mai. 2020.
Notas
[i] Psicólogo pela PUC-Rio, doutor em História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia/UFRJ; membro do grupo de pesquisas de estudos transdisciplinares da Consciência na UFRJ; coeditor da revista eletrônica de cosmologia e cultura Cosmos e Contexto; criador dos transaberes e autor dos livros “Confluências entre magia, filosofia, ciência e arte: a Ontologia Onírica” e “Vórtex: modulações na Unidade Dinâmica”.
[ii] Sobre a Data-Limite de Xavier, escrevi um artigo que analisa a questão: “O Vortex de 2019”, disponível em http://cosmoseconsciencia.blogspot.com/2019/01/o-vortex-de-2019-como-modular-atencao.html. É no mínimo curioso que o início da pandemia tenha ocorrido no exato ano de 2019.
[iii] Vallée faz também previsões que se assemelham ao que chamamos de guerra híbrida: ele diz que a próxima guerra mundial será informacional, diferente das de uso de armas letais.
[iv] Caso o/a leitor/a queira experimentar o exercício em vórtex, siga as orientações presentes em: http://cosmoseconsciencia.blogspot.com/2019/08/o-que-e-o-meditacao.html. Acesso em: 19 mai. 2020.
[v] No spinozismo, “bom encontro” gera aumento de potência, que gera alegria, que, por sua vez, promove a liberdade. No sentido do filósofo polidor de lentes, a liberdade máxima é apreender a si mesmo enquanto um (coextensi