Queridos Malditos


–>Exilados no lado selvagem

Nelson Job
People are strange, when you’re a stranger
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Foda-se.
Vociferam as máximas dos malditos. Eles estão por aí: nas sarjetas, nas artes, nas prisões e do seu lado. Os malditos denunciam os diques no devir da história e aceleram o caosmo. Eles são banidos e multiplicados. São louvados, muitas vezes em sigilo, e execrados, inclusive hipocritamente.
Se pudermos (des)aprender com eles é melhor não começarmos do começo. Comecemos por onde der na telha.
O Iluminismo culminou na Segunda Guerra e os ideais da Revolução Francesa foi espalhado, belicamente, é claro, por Napoleão Bonaparte. A razão convoca o mais terrível horror, alguém precisava fazer alguma coisa. No pós-guerra, o absurdo do mundo clamava pelos malditos: rock’n’roll, nouvelle vague, nouveau roman e múltiplas derivações.
No rock’n’roll, se Elvis rebolava na TV, a atitude foi (des?)amadurecendo até chegar nos Rolling Stones e a figura maior do mau comportamento genial: Keith Richards. Ele, sobretudo, tocava blues, não errado, mas errante. A partir da derivação de blues stoniana, o rock ganhou o ingrediente quase definitivo: criação-derivação-desobediência. Mais tarde, o movimento punk transformaria a idéia no seu bordão: do it yourself. E Keith segue, porque, como o nome da sua banda diz, “pedra rolante não produz limo”, ou seja, devir. O guitarrista, depois de ter criado oniricamente o riff de guitarra mais famoso de todos os tempos, o de “I can’t get no (satisfaction)”, ter tomado um coquetel inesgotável de drogas, e feito tunês orgiásticas; ainda cairia de uma árvore recentemente e se recobraria. Hoje, além de imortalizar como pirata cheirando os restos mortais dos seus progenitores, o disco dos Stones que tem mais a cara de Keith, “Exile on Main St.”, volta – remasterizado e com inéditas – ao primeiro lugar das paradas britâncias.
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Claro que os Stones tiveram predecessores. Por exemplo, Johnny Cash, o homem de preto:
– Parece que tá indo pra um velório!
– Talvez eu esteja…
Cash, que com “Folson Prision Blues” recebeu cartas de presos de todo os EUA que se sentiram homenageados, tratou de ir pra referida fazer um show histórico, cuja gravação vendeu milhões. E, ressurgido das trevas, no final da sua carreira ficou popular fazendo brilhantes covers: Simon and Garfunkel, Bob Marley, Nine Inch Nails, Depeche Mode etc. Com Johnny Cash, compreendemos mais explicitamente a expressão “rock’n’roll“: consistência e movimento!
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Leonard Cohen, conhecido escritor e poeta, mistura-se com Bob Dylan, Janis Joplin, lançando de tempos em tempos canções tão ou mais relevantes que as primeiras (invertando a lógica “as antigas são as melhores”), fazendo Adam Clayton, baixista do U2 ir às lágrimas no dueto da banda com ele em “Tower of song”. Na década de 90, Cohen abandonou tudo para se refugiar em um mosteiro budista, se tornando monge zen, (se considerando judeu) e depois retorna, com muitas músicas a compor e hoje está na vitoriosa turnê mundial do álbum “Live in London”.
Não surpreende tanto Cohen buscar o budismo, visto que as práticas filosóficas e meditativas orientais são um infindável manancial de subversão, principalmente uma subversão maior: a da mente! (ver: “Êxtase em devir”).
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Lou Reed, seja no Velvet Underground, ou na carreira-solo, iria criar várias crônicas do submundo, chegando a casar com um travesti e, recentemente, preparando um ópera pra cachorros!
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É de Reed a canção-ícone dos malditos, do underground e de qualquer entidade que se arrisque a ir fundo demais em qualquer situação: “Walk on the wild side”. Iggy Pop criaria o rock mais auto-explicativo, “The Passanger”, impuro tributo ao devir, pois os malditos passam, são da ordem do intensivo (que na filosofia bergsoniana, passam do atual ao virtual). Os malditos são assim, não param, mudam. Subvertem até o ato de mudar, até ficar parado. Mas só um pouquinho, até a próxima subversão.
A literatura também farta-se de belos frutos malditos. Em “O Estrangeiro”, Albert Camus faz, assumidamente, a sua filosofia maior através do romance. A sensação de ser estrangeiro no mundo ganhava a sua máxima expressão, ganhando décadas depois uma reverência em canção, pelo ícone dark The Cure, em sua primeiro single lançado, “Killing in an arab”.
Charles Bukowski e suas trepadas etílicas nos deixariam bêbados e ressaquiados, sem beber, apenas lendo-o, realizando uma operação espetacular da literatura, uma criação de Corpo sem Órgãos sem cair em um regime de abolição, como bem desejariam Deleuze e Guattari.
Também viriam os beatniks, com seus Uivos on the road, almoços nus, e a sua ressonância na ficção científica: a obra literária de Philip K. Dick. O escritor americano – misturando a mais alta literatura, contra-cultura, experiências com várias drogas, filosofia, ocultismo, orientalismo – produziu livros impressionantes, realizando a subversão maior: uma total desconstrução da realidade! (ver: “Ontologia Onírica”).
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No cinema, a subversão iria encontrar seu séqüito de malditos, a lista seria enorme, passando pelos diretores europeus do pós-guerra, dos loucos dos anos 70 nos EUA, fazendo ressonância com a produção cinematográfica até no Oriente Médio, Japão etc. Jack Nicholson ainda ri perversamente de nossas caras, Al Pacino olha de soslaio, já Dennis Hopper, fez a última derrapagem este ano.
Qual é o legado dos malditos? Sexo selvagem, experiência com todas as substâncias, crítica ao poder, mas se tornando parte dele, se tornando, muitas vezes, indústria?
Os malditos nos lembram que as regras têm seu lugar, até o momento de serem abandonadas, ou transformadas. Nos convocam à passagem, à travessia. Se, no Ocidente, os malditos são carismáticos e midiáticos, mesmo que muitas vezes não experimentem o sucesso (in)constante, ou fiquem até mesmo quase sempre à margem; no Oriente, Lao Tse, Sidarta Gautama etc., subverteram a ordem espiritual e política, de uma forma mais serena.
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A passagem é um tema muito presente na trajetória caótica dos malditos, como o médico-alquimista Paracelso, figura emblemática da Renascença, que, tanto combatido, realizou a passagem da alquimia para a química, nos lembrando que o hermetismo é presente na ciência. Giordano Bruno, filósofo hermético tostado pela Inquisição em 1600, fazia a passagem da astrologia para alquimia, já dizendo o que Galileu e outros iriam confirmar: infinitos mundos, infinito cosmos. Spinoza – que, apesar de “Bento”, era chegado numa comunidade de sexo livre – realizou a magnífica junção das – até então separadas – magia, filosofia, física e geometria, promovendo a passagem ainda hoje precursora de uma disciplinariedade cristã para uma transdisciplinariedade neo-pagã com a sua “Ética”, livro maldito durante séculos.
Os malditos de todas as eras e lugares nos avisam da inevitabilidade da passagem, da ubiqüidade do devir. Em tempos instáveis como o nosso, é necessário refundar nosso socius rumo a um pólis-transtópica em devir, anárquica, selvagem e paradoxalmente serena, ressoando os devires ocidentais e orientais. Para isso, cultiva-se um novo feminino, livre do medo masculino de seus mistérios, mas complementando-o em plenitude.
Não que os malditos esperem calmamente uma “vitória”. A qualquer momento, rastejando nas bordas, eles estão prontos pra detonar a mais tola estabilidade.
Yeah!
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